

Opinião
Professor e o venenoso ponto de interrogação: a subversão da sala de aula
O comentário de Gilson Aguiar por Gilson Aguiar em 14/10/2025 - 08:00O calendário teima em nos lembrar: Dia do Professor. E, como todo ano, a data chega carregada de flores e, paradoxalmente, de um certo espinho. É inevitável pensar em Sócrates, o avô de todos os mestres, condenado a beber a cicuta. Preferiu a morte a negar o que acreditava.
A acusação sobre Sócrates? Não era roubo, nem violência. Era pior: ele “corrompia” os jovens.
Parece-nos absurdo hoje, mas imagine a cena: um homem que, em vez de repetir os dogmas cômodos, ensinava a arma mais perigosa de todas as armas que uma mente pode desenvolver, o questionamento. Seus alunos ousavam erguer a sobrancelha para a existência dos deuses de Atenas. Atreviam-se a ler as entrelinhas das leis. Rompiam o silêncio respeitoso diante do inquestionável.
Os professores não sabem o poder que tem
Sim, os que estão em sala de aula, os docentes, os professores, mestres, são armas perigosas, poderosas, letais. Eles, os professores têm nas mãos, melhor, na mente, a mais poderosa de todas as ferramentas, ele é um agente de subversão. Não da ordem pública, mas da ordem mental.
O inimigo do professor é a ignorância
O medo da ignorância é um conforto. O medo da verdade é um refúgio. E é nesse refúgio que o professor entra, não para conduzir o ser para o mal – que, convenhamos, já tem suas próprias fontes, anteriores a qualquer aula de História ou Filosofia – aí, como diz Platão, deve-se tirar o ser humano das trevas, trazê-lo para a luz, e só há uma forma, a dúvida.
Seja ele um mestre de Química desvendando a composição do mundo, ou um professor de Literatura destrinchando as almas humanas, o bom educador não está ali apenas para preencher cadernos. Ele está ali, com a habilidade de um socrático, para pegar o conteúdo – a tabela periódica, um teorema, um conto – e transformá-lo em um senso de compreensão da vida. Ele dialoga, ele conversa, ele expõe, mas, acima de tudo, ele instiga.
E eis a grande questão: pode um professor corromper um jovem?
Não. O que ele pode é entregar ao ser humano o potencial de ser humano em sua plena intensidade. Ele não dá notas; ele oferece o saber como a maior arma de luta. Uma arma que não mata, mas constrói. Uma arma para lutar por uma vida melhor para si e para os outros.
O saber, o conhecer, o senso de compreender: esse é o nosso maior patrimônio. O professor entrega algo que transcende a matéria, que não se declara no Imposto de Renda e que jamais, em tempo algum, poderá ser roubado ou confiscado.
Por isso, o professor é vital e fatal
Aí reside a glória e a tragédia do mestre.
Fizeram-no com Sócrates: não puderam tirar sua sabedoria. Tentaram, então, confiscar sua vida. Ele se foi, mas seu método de questionamento permaneceu, invencível, presente ainda hoje em qualquer sala de aula que se preze. Não está em todas, seria demagogia afirmar isso, mas possível a qualquer um.
Nesta semana de homenagens, que o nosso maior desejo seja simples, mas urgente: que a sociedade brasileira entenda o perigo e a beleza desse ato de ensinar a questionar. E que, por favor, nunca mais precisemos temer a cicuta — seja ela em veneno literal, seja na forma de desvalorização, descaso e silenciamento para a maior das possibilidades humanas, o conhecimento e o senso crítico que um bom professor pode desenvolver.
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